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Adriana Esteves rouba a cena em “Real Beleza”

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Atriz, Adriana Esteves rouba a cena em “Real Beleza”, primeiro longa de ficção do diretor Jorge Furtado em oito anos.

Fortaleza. Jorge Furtado gosta de estar na contramão. No momento em que as comédias reinam soberanas no cinema popular brasileiro, ele, o Luis Fernando Verissimo da sétima arte, está lançando seu longa mais dramático. “Tudo que eu espero de um filme é que ele seja inesperado. Por isso, aliás, tenho visto muito poucos. Vejo um trailer e não preciso assistir, porque já sei o que vai acontecer”, justifica.

A ironia é que, ao surpreender com essa troca de marchas, o cineasta fez seu longa menos surpreendente em termos de trama. “Real Beleza”, exibido pela primeira vez na competitiva do 25º Cine Ceará na noite de sábado, é um romance convencional em que uma trama de novela é elevada quase a um “As Pontes de Madison County” dos Pampas graças à qualidade literária do texto de Furtado e à ótima performance de Adriana Esteves.

O filme acompanha o fotógrafo João (Vladimir Brichta) rodando o interior do Rio Grande do Sul em busca de novas modelos. Quando encontra sua candidata perfeita na jovem Maria (Vitória Strada), ele precisa convencer o pai, Pedro (Francisco Cuoco), a permitir que ela vá para São Paulo, mas acaba se envolvendo com a mãe dela, Anita (Esteves).

Metalinguístico como os demais longas do diretor, “Real Beleza” é um filme sobre o olhar. Sobre como a beleza não é algo que existe concretamente, mas sim uma construção, uma interpretação e uma escolha de quem vê – um chavão tão batido quanto verdadeiro. “A Gisele Bündchen tem uma irmã gêmea. Elas são quase idênticas, então que diferença é essa que vale US$ 1 bilhão?”, questiona o cineasta, que teve a ideia do roteiro ao ler um artigo do jornal inglês “The Independent” sobre o Rio Grande Sul como celeiro de modelos internacionais.

Mas se a câmera, quase sempre em movimento, representa o olhar perdido do protagonista em busca dessa resposta, a real beleza (e o maior trunfo) do filme é o olhar de Anita. É no rosto e nas expressões da personagem que se manifestam as outras belezas – da poesia, da memória, da gratidão, do amor – ignoradas, segundo Furtado, em função de prioridades deturpadas da nossa cultura. É na personagem que João reaprende a enxergar esse ideal expresso no título do longa.

E a principal responsável por isso é, sem dúvida, Adriana Esteves. Atriz de pouquíssima expressão no cinema, a Carminha (como um jornalista chileno bem identificou após a sessão) da TV pega um filme mediano e o transforma em um drama envolvente e instigante toda vez que aparece. Muito antes de sua personagem despir-se fisicamente em cena, a atriz seduz João e o espectador com um lento strip-tease emocional, com um olhar esfíngico que provoca e sugere muito mais do que revela.

“Na comédia, o diálogo conduz muito a cena. Mas no drama tem uma coisa da vivência interior que você tem que ficar imaginando ‘o que está se passando na cabeça dessa mulher agora?’. Nesse sentido, a Adriana é impressionante, porque ela é muito intensa”, explica Furtado. Essa diferença entre os dois gêneros e a centralidade do elenco deixam bem claro por que o longa cai tanto na segunda metade, quando se torna um embate de visões de mundo – ou concepções de beleza – entre João e Pedro, dois personagens bem menos interessantes.

Furtado imbui o pai vivido por Cuoco com sua usual riqueza literária. Ele é um cego quase mitológico, mistura do Próspero de Shakespeare com Jorge Luís Borges que enxerga o que ninguém mais vê, com citações que vão de Guimarães Rosa a Fernando Pessoa e Cartier-Bresson. “Todos os personagens são o Jorge”, bem avalia Vladimir Brichta. Ainda assim, as cenas se tornam repetitivas, e a falta que Anita faz é clara.

E no fim, após cenas de um humor deslocado e personagens desnecessários (como o assistente de João e o namoradinho de Maria), é ela novamente quem vem resgatar o filme com a escolha moral do protagonista aristotélico. Por mais trivial que seja a história e por mais não surpreendente que ela possa ser, a integridade que Esteves confere à personagem e sua capacidade de dizer tanto com pouquíssimas palavras conferem ao longa a real beleza que João e Furtado tanto procuram.