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‘Entendo a angústia dele’, Vladimir Brichta fala de Arlindo Barrreto

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Mineiro de nascimento, baiano de coração, amigo de Lázaro Ramos e Wagner Moura, Vladimir Brichta tem colhido todos os elogios por sua atuação em “Bingo – O Rei das Manhãs”, filme inspirado na vida do ator e apresentador Arlindo Barreto, que encarnou o palhaço Bozo na fase de maior sucesso do programa, nos anos 80

Você chegou a passar algum tempo com o Arlindo Barreto (intérprete do Bozo que o filme retrata)? Conversou com ele sobre a história? Se sim, o que trouxe dele para a sua performance? Ou preferiu criar o personagem do zero, totalmente ficcionalizado?

Eu encontrei o Arlindo pessoalmente só depois de algumas semanas de filmagem. Foi quando eu tirei algumas dúvidas mais superficiais, como o calor que fazia aquela maquiagem que ele usava. Comecei partindo do zero, só a partir do roteiro, sem me influenciar por ele, sem correr atrás. Mas, durante um momento da minha preparação, que durou um mês, quis assistir à uma entrevista de quatro horas e meia que ele concedeu à equipe do filme. Aí, pude observar um pouco mais.

E como foi essa etapa do trabalho?

Fiquei muito mais atento à forma como ele contava as histórias do que à histórias em si ou aos trejeitos. Eu não estava interessado em mimetizar a imagem do Arlindo. Meu interesse era entender como essa figura vibrava, e eu pude sacar. Foi isso que eu tentei preservar. Ele é uma figura muito intensa e vibra de forma muito entusiasmada. É um homem que parece estar a 220 volts. Ele tem essa energia e era isso que eu queria carregar para o filme, porque eu achava que era um elemento importante. De resto, foi minha criação mesmo. Mas acabou sendo apontado como semelhante a ele por algumas pessoas próximas. Acho legal que tenha sido, mas não me senti na obrigação de perseguir isso.

“Bingo – O Rei das Manhãs” tem várias camadas, mas um dos principais temas discutidos pelo filme do Daniel Rezende é essa busca do artista/ator por validação, e a complexa relação com a ideia de fama, especialmente televisiva, no Brasil. Isso te fez pensar, de alguma forma, na sua própria carreira e no seu trabalho como ator? 

Esse personagem é muito rico. É um artista, um ator, buscando o reconhecimento de seu trabalho. E o reconhecimento em algum momento se mistura com a fama. O sucesso para ele é o reconhecimento com fama. Essa medida do que é o sucesso é muito diferente para cada um. As pessoas precisam do reconhecimento. É algo comum a todos, não só ao ator. No caso do ator, é muito mais difícil quando, dentro desse reconhecimento, as pessoas não possam saber qual é o rosto dele, qual é sua verdadeira identidade. Nossa ferramenta de trabalho é o nosso corpo e o nosso rosto. Não temos um pincel ou outro instrumento que alguns artistas têm para compor a sua obra. A nossa obra é o nosso próprio rosto. É uma relação muito simbiótica, muito tênue de onde termina o artista e onde começa a arte. É compreensível que esse personagem tenha essa angústia por estar escondido atrás de uma máscara. Eu não pensei tão claramente na minha trajetória, mas o tempo inteiro me coloquei no lugar dele e entendo completamente essa angústia. Eu não acho que seria diferente comigo, não acho que toparia curtir esse anonimato com o sucesso de um personagem, acho que isso doeria em mim também.

Viver o Augusto (nome de Arlindo no longa) afetou sua relação com o ofício e com essa grande máquina industrial que é a televisão?

O tempo inteiro eu estava me projetando naquele indivíduo, porque é um ator como eu, é um ser humano semelhante a mim. Acho que isso me ajudou a construir esse personagem. Eu não posso dizer que me confundi com esse personagem em hipótese alguma, mas o que consegui facilmente foi ter empatia por ele. Já faz parte do trabalho do ator esse tipo de exercício, no caso dele, por ser um ator, mais ainda.

E sobre a relação com a indústria da televisão?

Sobre a relação com a indústria da televisão é muito engraçado, porque ela ainda estava se formando nos anos 80, estava ganhando corpo. Então, naquela época era tudo muito novo. Para a gente, hoje em dia, aquilo era pouco profissional. Mas entender que é uma indústria, e entender que faço parte de uma, foi uma reflexão que tive com mais clareza depois desse filme, mas nunca me iludi por fazer parte de uma indústria que tem seus méritos, porém almeja um resultado mais imediato.

O que mais te surpreendeu na história do Augusto e nesses bastidores da TV nos anos 80?

Apesar de terem acontecido inúmeras loucuras, talvez a maior surpresa que eu tenha tido foi ver que as pessoas na década de 80, especialmente neste programa, pudessem passar tanto tempo no ar, ao vivo, diariamente. Eles davam conta de uma carga horária de trabalho violentíssima. Era muito trabalho mesmo. A gente não tem nada parecido hoje como exemplo na indústria da televisão. Isso me impressionou muito: imaginar que as pessoas tenham sido capazes disso. Aí, quando a gente fala da presença da droga na vida dele, e isso não é uma justificativa, você entende melhor porque ele foi parar nesse terreno. Era uma loucura muito grande sujeitar o indivíduo a esse volume de trabalho. Era assustador. Isso me impressionou porque não existe nada parecido hoje em dia. Fora isso, fiquei surpreso com todas aquelas aventuras que ouvimos falar. Algumas delas retratadas no filme. É tudo muito surpreendente. São surpresas muito dramáticas e cinematográficas.

Qual foi a cena mais difícil de fazer no filme, e qual você mais gosta?

É complicado dizer qual foi a cena mais difícil de fazer no filme. Às vezes, a gente tem dificuldade em fazer cenas que são até simples, mas por algum motivo a conexão naquele momento é mais difícil. Não me recordo de uma cena em específico que tenha rolado isso. Mas acontece, eventualmente. Tem cenas que têm uma carga dramática grande, como enterrar uma mãe, que é algo doloroso. É uma cena difícil. Uma cena que foi difícil, mas ao mesmo tempo muito prazerosa e uma das que mais gosto, é a cena em que o Bingo assume o primeiro lugar da TV Mundial, que tem aquela catarse e ele manda um recado para os diretores da emissora. Foi uma das cenas que mais gostei, porque é o ápice do personagem.

Tiveram outras?

Gosto muito da cena em que as crianças dançam a música “Serão Extra” (sucesso da banda Dr. Silvana & Cia.), porque acho que aquilo retrata muito os anos 80. Aquela inconsequência, as crianças inocentes cantando uma coisa de duplo sentido e o Bingo gargalhando. Eu me lembro de ter me divertido muito fazendo aquela cena. Eu achei que, naquele momento, estava vivendo o mesmo absurdo. Aquelas crianças não sabiam o que estavam cantando, porque tem o duplo sentido e a maldade está na cabeça das pessoas. Aquela é uma cena marcante para mim, é muito divertida.

 

Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/entendo-a-ang%C3%BAstia-dele-vladimir-brichta-fala-de-arlindo-barrreto-1.1518308

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